STF: Nova vista adia conclusão de caso que trata de impugnação de delação por terceiros
Com placar em 2×1, ministra Cármen pediu vista
A 2ª turma do STF retomou nesta terça-feira, 5, julgamento que trata da possibilidade de terceiros impugnarem acordo de colaboração premiada. A tese está em pauta em dois HCs de pacientes que respondem a ação penal derivada da operação Publicano, que investigou desvio de recursos da Receita no Paraná.
Os autores sustentam a ilegalidade de termo aditivo de acordo de delação de ex-auditor. De acordo com os autos, a delação foi rescindida e houve a imputação, pelo delator, de crimes aos membros do Gaeco. Depois, delator e MP celebraram termo aditivo e o delator retira as acusações contra o parquet.
O plenário do STF decidiu, em leading case do ministro Toffoli (HC 127.483), que a delação é meio de obtenção de prova advindo de um negócio jurídico personalíssimo que gera obrigações e direitos entre as partes celebrantes, que não pode ser impugnada por coautores ou partícipes do colaborador na organização criminosa e nas infrações penais por ela praticadas, ainda que venham a ser expressamente nominados no respectivo instrumento.
Em maio, o ministro Gilmar votou pela concessão da ordem no caso concreto, a favor da possibilidade de terceiros impugnarem acordos de delação premiada. Para Gilmar, os acordos têm graves impactos à esfera de corréus delatados e toca intimamente nos interesses da sociedade: “É evidente e inquestionável que a esfera de terceiros delatados é afetada pela homologação de acordos ilegais e ilegítimos.”
Impossibilidade de impugnação
O ministro Fachin assentou o minucioso voto em cinco premissas. São elas, resumidamente:
1 – A posição do plenário pela impossibilidade de impugnação não é manifestação jurisprudencial episódica, ao contrário, norteou diversos julgados, e tal histórico reflete a aplicação reiterada das conclusões expostas no julgamento do HC 127.483 no sentido da inadmissibilidade de terceiros, ainda que nomeados como coatores ou participes, promovam impugnação de acordos de CP.
2 – A impossibilidade de superação em sede fracionária de entendimento do Pleno. Para Fachin, o afastamento de prévias manifestações jurisprudenciais pode e deve ocorrer, quer por não incidência (distinguish) ou sob a óptica da superação, com verdadeira substituição da compreensão jurisprudencial estampada no procedente.
“A própria noção de colegialidade atribui vocação natural ao plenário quanto à soberania da compreensão acerca da interpretação normativa.”
3 – Ao menos sob a óptica da esfera jurídica do delatado, a colaboração bilateral e unilateral produz idênticos efeitos processuais.
4 – Nos termos do que entende ser o sentido da deliberação unânime do plenário, o cerne do acordo de colaboração premiada não é o prejuízo eventualmente acarretado a terceiro.
“O ponto central é a segurança na definição da sanção premial, que é um interesse personalíssimo e bem por isso insuscetível de impugnação por terceiro.”
5 – Considerando os poderes negociais atípicos conferidos ao MP, a atipicidade de cláusulas negociais não constitui por si só ilegalidade do ajuste.
No caso concreto, Fachin concluiu que não está caracterizado constrangimento ilegal:
“Eventual redução da confiabilidade das declarações prestadas pelos colaboradores deve ser analisada em sentença em sede de valoração probatória, inexistindo ilegalidade ou irregularidade decorrente deste cenário.”
Distinção
Em aditamento ao voto, o ministro Gilmar esclareceu que a questão neste processo se distingue do precedente do plenário na medida em que trata de questionamento de terceiros que têm aplicação de provas no seu caso concreto.
“Se faz um acordo de colaboração premiada, em que se negociam os delitos que envolviam corrupção na Administração e os crimes sexuais. Depois se diz que os colaboradores não cumpriram o acordo e o Ministério Público pleiteia a revogação. Uma vez rescindido o acordo, o colaborador teria passado não apenas a negar seus depoimentos, mas a imputar aos promotores práticas indevidas, como adulteração de falas e não gravação proposital. E aí se faz um segundo acordo, em que o delator se retrata das imputações ao parquet e recebe benefícios mais amplos. Pergunta-se: é possível fazer esse tipo de arrego e dizer que essas provas são lícitas?”
De acordo com Gilmar, não se trata de alterar a jurisprudência do plenário: “Temos aqui um cenário de um lastro probatório já produzido que atinge diretamente a esfera jurídica dos autores deste habeas corpus. Até entendo que em algum momento vamos ter que rediscutir. Mas reconheço o valor do precedente.”
O relator disse ainda que não se trata de rever a decisão do plenário, mas de fazer delimitações. Por isso, concede a ordem de ofício para declarar a nulidade do segundo acordo de colaboração premiada.
Com o entendimento do relator, o ministro Ricardo Lewandowski afirmou que a turma não está revisitando a jurisprudência firmada no plenário e muito menos as decisões do colegiado.
“Este caso tem particularidades que impressionam negativamente. Os aditivos aos termos de colaboração continham cláusulas e, pasmem, todos determinavam que os delatores se retratassem de imputações aos promotores do Gaeco e ratificassem declarações anteriores. Tendo em vista a gravidade das acusações aos membros do MP estadual, para mim se mostra completamente questionável e inadmissível a possibilidade de que esses agentes possam transigir relativamente aos fatos a eles rogados. Se trata realmente de caso totalmente heterodoxo.”
Com o placar em 2×1, e ausente o ministro Celso de Mello, a ministra Cármen Lúcia pediu vista dos autos.
Fonte: Portal Migalhas