"Prender com base em delação é um erro crasso", diz Gilmar Mendes sobre Bretas
Por Sérgio Rodas
Provas apresentadas por delatores não podem servir de fundamento para decretar prisões preventivas. Assim decidiu a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal ao mandar soltar o ex-secretário da Casa Civil do Rio de Janeiro Régis Fitchner, que teve a prisão decretada pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio.
“Prender provisoriamente com base em delação é violador da lei e da Constituição. Isso é um erro crasso, um erro crasso. Isso não pode ocorrer. Tem que se ensinar aos meninos que não é isso que se faz”, disse Gilmar, em seu voto, nesta terça-feira (2/4). Ele foi acompanhado pelos ministros Ricardo Lewandowski e Celso de Mello. Os ministros Luiz Edson Fachin e Cármen Lúcia ficaram vencidos.
Segundo Gilmar, a decisão de Bretas apenas repetiu decreto anterior, já cassado pelo Supremo. “Os únicos elementos pretensamente inovadores são declarações de colaboradores, que devem ser analisados com ressalva”, disse, durante a leitura do voto.
“Da leitura dos fundamentos expostos [na decisão de Bretas], resta claro que o decreto prisional parte de indevidas presunções, ilegítimas em um processo penal que se pauta pela presunção de inocência. Ou seja, não aponta qualquer elemento consistente e concreto para justificar a restrição”, criticou Gilmar.
Além disso, o ministro afirmou que a prisão preventiva só se justifica quando medidas cautelares alternativas não forem suficientes. E, no caso de Fichtner, estas bastam para preservar as investigações. Assim, Gilmar proibiu que o ex-secretário deixe o Rio e fale com outros acusados, ordenou que entregue seu passaporte e compareça periodicamente em juízo. O ministro ainda manteve Fichtner suspenso do cargo de procurador.
Régis Fichtner foi preso preventivamente em 2017 e solto pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que concedeu HC. Em fevereiro, Bretas ordenou nova prisão preventiva do ex-secretário do Rio. A ordem se baseou em depoimentos de delatores que, segundo o juiz, apresentaram “fatos novos”. Entre esses fatos, que o ex-secretário recebeu propina de R$ 5 milhões.
O criminalista Nilo Batista impetrou HC em favor de Fichtner no TRF-2 e no Superior Tribunal de Justiça, mas os pedidos foram negados. Embora o requerimento ainda não tenha sido avaliado pelo colegiado do STJ, Gilmar Mendes afastou a Súmula 691 do STF e votou por conceder HC devido à flagrante ilegalidade da prisão. A súmula impede que o Supremo analise HC contra decisão de relator do STJ.
Denúncia interessada
Como o delator obtém redução de penas com o acordo de delação, as
“provas” apresentadas por ele devem ser vitas com ressalvas.
Ressaltando que os elementos de prova obtidos via acordos de colaboração
premiada são frágeis, Gilmar disse que as versões dos Chebar não são
suficientes para justificar nova prisão preventiva de Fichtner.
“Portanto, a nova decretação de prisão preventiva não apresenta embasamento a justificar a superação da revogação anteriormente determinada pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Os únicos elementos pretensamente inovadores são declarações de colaboradores, as quais, até por imposição da própria legislação, devem ser analisadas com ressalvas. Assim, inexiste fumus comissi delicti a justificar a prisão preventiva”, afirmou o ministro.
Ao ordenar a detenção de Fichtner, Bretas sustentou que, por ele ser procurador do Estado do Rio de Janeiro, teria “facilidade para obstruir, ou mesmo, encerrar as investigações contra si”. No entanto, ele está afastado do cargo desde 2017 e todas as decisões vêm mantendo o afastamento. A 2ª Turma também manteve.
Sem “fórmulas vazias”
Ao seguir o voto de Gilmar, o ministro Celso de Mello ressaltou que a mera
enunciação de “fórmulas vazias” não basta para justificar prisão
preventiva.
“Não basta a mera enunciação, a utilização de fórmulas vazias ou transcrição literal das palavras da lei. Ou seja, a garantia da ordem pública, da ordem econômica, e etc. precisa de base factual concreta, sob pena do ato de decretação de prisão cautelar tornar-se exercício inaceitável de puro arbítrio. A prisão cautelar não traduz qualquer ideia de sanção, ao contrário. Constitui instrumento destinado a atuar em benefício da atividade desenvolvida no processo penal.”
O decano do Supremo afirmou que não se pode decretar prisão preventiva com base na “indignação social”. Ele também classificou a decisão de Bretas de retórica e criticou o fato de o o juiz federal alegar que Fichtner deveria ser preso para garantir a credibilidade do Judiciário.
“Ora, o STF tem repelido, tem censurado esse fundamento por juridicamente inidôneo e constitucionalmente incompatível com a declaração de direitos e garantias individuais. A credibilidade das instituições não autoriza a conclusão de que a garantia da ordem pública está ameaçada a ponto de legitimar a prisão cautelar de paciente enquanto aguarda julgamento penal qualquer”, avaliou Celso de Mello.
Por sua vez, o ministro Ricardo Lewandowski apontou que a decisão de Bretas é ilegal, pois se baseia apenas na versão dos delatores.
“Se pegarmos a decisão ora atacada verificaremos que ela está totalmente dissociada dos fatos concretos. Não há nenhuma comprovação além das palavras dos colaboradores”.
HC 169.119
*Texto atualizado às 19h28 do dia 2/4/2019 para acréscimo de informações.
Fonte: Conjur