Para criminalistas, decisão do STF preserva direito de defesa e respeita constituição
A decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal de garantir ao réu o direito de ser o último a ser ouvido nas alegações finais garantiu o contraditório e o amplo direito de defesa. É o consenso entre especialistas ouvidos pela ConJur.
“O STF reconheceu o direito de defesa, o devido processo legal e consagrou a regra do processo penal democrático. Nada demais. Mas nesses tempos de cólera para a advocacia, a decisão do Supremo é alvissareira. Eça de Queiroz faria o Conselheiro Acácio comemorar o feito…”, pontua o criminalista e ex-presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros Técio Lins e Silva.
Para o advogado criminalista André Callegari, a decisão respeitou a Constituição. “A ordem natural num processo de partes é que o acusado fale por último, ainda que o colaborador seja também um corréu. É indiscutível que há um interesse dele na sua versão contra o delatado, o que justifica que este deve ser o último a falar. A única dúvida que tenho é se cabe modulação em HC. Porque ou se concede a ordem ou não se concede. Uma vez concedida, o próprio artigo 580 do CPP determina o efeito extensivo a corréus que estejam na mesma situação fático-jurídica concretizando o princípio da isonomia”, explicou.
O entendimento de Callegari é parecido com o do advogado e professor de direito Welington Arruda. “Tenho a impressão que o STF, pela maioria, tem protegido a Constituição. Achei acertado garantir ao réu o direito de se manifestar após todos aqueles que formalmente estejam lhe imputando alguma conduta criminosa, e isso ocorre tanto por parte do Ministério Público, quanto por parte do delator, que atua como verdadeiro assistente da acusação, apesar de também ser réu. Não há inovação, apenas a garantia da ampla defesa e do contraditório”, comenta.
A tese que prevaleceu no STF foi apresentada pelo criminalista e professor Alberto Zacharias Toron, que teve a iniciativa de pedir para apresentar as alegações finais por último em sua atuação na defesa do ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine. Na ocasião, o então juiz Sergio Moro negou o pedido e a questão foi levada até o Supremo, que anulou a condenação.
A tese de Toron se tornou praticamente um consenso entre advogados criminalistas. A advogada e doutora em Direitos Humanos Maíra Zapater, por exemplo, concorda integralmente com o argumento de que “réus delatores fornecem conteúdo acusatório e por isso a defesa deve falar depois deles”.
A decisão do STF também tem repercussão além da esfera jurídica, já que seus desdobramentos irão afetar processos do MPF oriundos da atuação da força-tarefa da “lava jato” que envolvem líderes políticos, empresários e ex-agentes de alto escalão do Estado. Esses casos também podem ser caracterizados pelo amplo uso do instrumento da delação premiada instituída por lei em 2013.
Na opinião do doutor em direito penal Conrado Gontijo, a decisão do STF é importante também para balizar novos acordos de delação premiada. “Ao firmarem acordos de colaboração premiada, os delatores assumem a obrigação de atuar para comprovar as acusações feitas em face dos delatados, pelo Ministério Público. São, portanto, auxiliares do órgão de acusação”, explica.
Modulação temerária
Gontijo, no entanto, acredita que as discussões travadas pela corte sobre uma possível fixação de uma tese para tratar a questão são temerárias. “É grande o risco de que, ao fixar uma tese, o STF, em vez de efetivamente reverenciar o direito à ampla defesa, restrinja a possibilidade de que situações concretas, nas quais esse direito fundamental tenha sido violado, sejam examinadas. O essencial é que, sempre, seja resguardado, na maior amplitude possível, o direito fundamental à ampla defesa. Não se pode conceber que, a pretexto de proteger a ampla defesa, sejam criadas barreiras ao seu exercício”, argumenta.
Na sessão desta quarta-feira (2), os ministros decidiram adiar a definição da tese a ser aplicada ao caso. A proposta foi apresentada pelo presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, que propôs duas restrições a decisão.
A primeira é que ela só se aplique a quem reclamou da ordem das alegações finais na origem do processo. A segunda é que ela só seja válida para quem comprovar o dano causado pela desobediência da ordem.
“É a transformação em lei do princípio do Direito Civil napoleônico pas de nulité sans grief, não há nulidade sem prejuízo em francês”, explica o constitucionalista Lenio Streck. Ele também escreveu um coluna em que aponta que “todos dão “à literalidade” o sentido que querem para chegar em um objetivo já previamente estabelecido”.
Apesar de enxergar na decisão do Supremo um importante precedente que “consagra a extensão plena do direito ao contraditório no âmbito do processo penal”, o constitucionalista Rodrigo Mudrovitsch também se mostrou preocupado com uma possível modulação. “É importante agora que não se restrinja a amplitude desse mesmo direito através de modulações temporais ou condicionadas a comprovações de prejuízo”, explica.
O advogado Bruno Garcia Borragine também se mostra crítico a possibilidade de modulação da decisão. “Como o que se pretende é fixar uma tese com força de aplicação vertical, o Habeas parece não ser o melhor campo jurídico para se equalizar o tema. Chega a ser paradoxal e contraditório de um lado se garantir o pleno e irrestrito direito de defesa mas, de outro, vedá-lo em determinadas e moduladas hipóteses”, comenta.
Na fim da noite desta quarta, o próprio Toffoli resolveu adiar a decisão sobre como adaptar o julgamento para não anular todas as condenações recentes. O tema seria discutido em Plenário nesta quinta, mas foi adiado, sem data marcada.
Por Rafa Santos
Fonte: Portal Conjur