Juízes de Nova Jersey vão aprender a respeitar vítimas de crimes sexuais
Todos os juízes que julgam casos de estupro e de outros crimes contra a liberdade sexual em Nova Jersey, nos EUA, vão fazer um treinamento para aprender a respeitar as vítimas e aprimorar suas qualificações como julgadores – tudo por causa de dois juízes que, em julgamentos, fizeram comentários que repercutiram muito mal na imprensa de todo o país.
O treinamento obrigatório, determinado pelo presidente do Tribunal Superior de Nova Jersey, ministro Stuart Rabner, irá se focar principalmente em crimes contra a liberdade sexual, violência doméstica, preconceito implícito e diversidade, segundo uma diretiva assinada pelo diretor administrativo interino das cortes do estado, Glen Grant.
Não se trata de dois casos isolados, no entanto. Há mais casos em que juízes “culparam” as vítimas por estupros ou fizeram comentários machistas. Mas esses dois casos são mais recentes e foram mais divulgados, porque provocaram indignação em todo o país, principalmente entre organizações que defendem os direitos das vítimas.
E aconteceram em um momento em que o movimento “Me too” (#MeToo movement), organizado por mulheres que “sobreviveram” a crimes sexuais, está no auge. Desde que o movimento ganhou tração, as mulheres tomaram mais coragem para denunciar os agressores e aumentou a tendência das cortes de puni-los mais severamente.
As tendências estão mudando, mas alguns juízes ficaram para trás. Esse é o caso do juiz John Russo, que perguntou a uma vítima de estupro: “Você não poderia ter evitado o sexo forçado se tivesse fechado suas pernas?”. Certamente ele não foi a primeira pessoa na história a fazer tal observação. Só que a fez em um mau momento e agora está sofrendo um processo disciplinar.
O outro juiz não está sujeito a processo disciplinar porque ele se aposentou antes que isso acontecesse. O agora ex-juiz James Troiano ficou conhecido pelo epíteto “Juiz boa família”, por causa da “defesa” que ele fez, durante o julgamento, de um adolescente de 16 anos, que estuprou uma menina também de 16 anos, em uma festa.
O rapaz filmou a cena de estupro, na garagem da casa, da menina que estava embriagada. E mandou o vídeo para todos os amigos, com o título: “Quando sua primeira vez, de uma relação sexual, foi um estupro”.
Ele poderia ser julgado como adulto por isso – e esse foi o pedido dos promotores, que o juiz negou. “Ele é um jovem de boa família, que o colocou nas melhores escolas e ele tem se saído extremamente bem. Ele é claramente candidato a ir não só para a universidade, mas provavelmente para uma boa universidade. Suas notas são ótimas”, disse o juiz.
Normalmente, estupro é entendido, nos EUA, como sexo sem consentimento de uma das partes. No caso de sexo de um adulto com uma adolescente, o entendimento é de que menores são incapazes de dar consentimento.
Por isso, os promotores queriam processar o rapaz como adulto. Mas o juiz repreendeu os promotores, por não entenderem “o efeito devastador que provocariam na vida do menino, se ele fosse julgado como adulto”.
Um tribunal de recursos de Nova Jersey reverteu a decisão do juiz. E questionou o que aconteceria se o adolescente não viesse de “boa família”, não frequentasse as melhores escolas e não tivesse ótimas notas.
O rapaz, que pediu a todos os amigos para deletar o vídeo, mudou a história. Agora ele afirma que o sexo foi consensual e que ele só mencionou estupro de brincadeira.
Em sua diretiva, o diretor administrativo das cortes do estado afirmou: “O treinamento judicial irá aprimorar o entendimento das complexidades e nuanças associadas ao estupro e outros crimes contra a liberdade sexual e à violência doméstica.”
E acrescentou: “Ele também irá aumentar a conscientização sobre o impacto do preconceito implícito nas decisões judiciais e irá melhorar a habilidade dos juízes de reconhecer seus preconceitos. O programa também irá treinar os juízes em comunicação efetiva, para ajudá-los a oferecer decisões claras, enraizadas na lei, respeitosas às vítimas e compreensíveis ao público, ao mesmo tempo que protege os direitos do acusado”.
Por João Ozorio de Melo
Fonte: Portal Conjur