Os limites interpretativos do crime de favorecimento à prostituição ou outra forma de exploração sexual

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Beatriz Daguer, Luiz Antonio Borri e Rafael Junior Soares

              O artigo 218-B foi introduzido no Código Penal brasileiro por meio da Lei 12.015/09, especificamente no Título VI, em que constam os crimes contra a dignidade sexual, com o escopo de criminalizar as condutas de favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de criança, adolescente ou vulnerável, tutelando a liberdade sexual dos indivíduos. O acréscimo do legislador constitui densificação infraconstitucional da norma veiculada no artigo 227, §4º, da Constituição Federal, que prevê a punição severa do abuso, violência e exploração sexual da criança e do adolescente.

              Ao examinar o dispositivo, observa-se que o legislador estabeleceu três situações delituosas, dispostas no caput, § 2º, incisos I e II, respectivamente.([i]) No entanto, apesar da introdução da conduta no Código Penal há quase dez anos, o presente artigo visa abordar exclusivamente os problemas decorrentes da interpretação da conduta daquele que “pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo”, visto que os tribunais superiores têm hesitado nas posições adotadas quanto à atipicidade da conduta por ausência de elemento normativo do tipo penal,([ii]) ocasionando uma dubiedade de interpretação que não encontra posicionamento jurisprudencial concreto até o momento.

              O tipo objetivo trazido pelo legislador estabeleceu a reprimenda contra aquele que pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de dezoito anos e maior de catorze anos ou que por enfermidade ou deficiência não tem o necessário discernimento na situação descrita no caput do artigo. Ao se examinar de forma conjugada a normativa posta, denota-se que a situação narrada constitui os núcleos submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual, além de facilitar, impedir ou dificultar que a abandone.

Dessa forma, para que se tenha a efetiva configuração do artigo 218-B, § 2º, inciso I, faz-se necessário que o terceiro tenha favorecido a prostituição ou exploração sexual nas formas descritas acima e não a realização do ato sexual por si só, bem como o que pratica a conjunção carnal ou outro ato libidinoso tenha o efetivo conhecimento da circunstância. Além disso, não há subsunção à norma penal quando a suposta vítima tenha praticado o ato submetida à situação de prostituição e/ou exploração por meios escusos e próprios.([iii])

Nesse sentido, de acordo com Vicente de Paula Rodrigues Maggio, na hipótese de incidência do inciso I, § 2º, do artigo 218-B, o sujeito é punido“desde que tenha ciência de que a mesma tenha sido vítima do favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável. (…) Com efeito, o fato é atípico para quem mantém relações sexuais com a pessoa menor de 18 e maior de 14 anos que enveredou por conta própria pelo caminho da prostituição, pois, neste caso, o menor não se encontra na situação descrita no caput deste artigo”.([iv])

              De acordo com lição doutrinária de Guilherme de Souza Nucci, “outro prisma relevante diz respeito à prostituição do menor de 18 anos, sem qualquer intermediação, constituindo fato atípico. O art. 218-B deixou clara a necessidade de existir alguma forma de submissão, induzimento, atração, facilitação, impedimento ou dificuldade para o menor de 18 anos. Sem tal situação, não há que se falar em crime”,prossegue o autor, advertindo expressamente que “cuidando-se de ato voluntário do menor de 18, qualquer relacionamento por ele mantido, ainda que sob a veste da prostituição, é atípico”.([v])

              Em caso paradigmático sobre o tema, vale destacar interessante trecho do parecer emitido pelo Ministério Público Federal: “Em seguida, verifica-se que não assiste razão ao Parquet quanto à imputação pelo crime do artigo 218-B. In casu, em nenhum momento restou configurada a submissão, indução ou atração dos ofendidos à prostituição ou outra forma de exploração sexual. Pelo contrário, depreende-se do caderno processual que os atos perpetrados pelo réu tiveram o escopo de satisfazer sua própria luxúria”.([vi])

              As Cortes de Justiça de diversos Estados da federação também acolhem similar solução jurídica, afastando a conduta criminosa em se tratando da prática de relações sexuais consentidas com menores de 18 anos em que não há intenção de se obter vantagem financeira, mas tão somente a satisfação da própria lascívia.([vii]) Logo, se não houve a consumação de nenhuma das condutas descritas no caput, aquele que se limitou a perpetrar relação sexual sem proveito material não favorece a prostituição, sendo tal conduta inequivocamente atípica.

              A submissão, atração ou aliciamento da vítima para prostituição ou exploração sexual constitui circunstância inarredável para a incriminação da conduta de manter relação sexual com a adolescente,([viii]) visto que o legislador criminalizou o comportamento de manter conjunção carnal ou outro ato libidinoso com menor de 18 anos e maior de 14, na situação descrita no caput do artigo 218-B, do Código Penal.

              Assim, no artigo 218-B, §2º, inciso I, do Código Penal, objetiva-se punir o cliente do agenciador de menores de 18 anos, ressaltando-se que para a caracterização do delito “é fundamental encontrar o menor de 18 ou enfermo (ou deficiente) em situação de exploração sexual por terceiro (…) a partir disso, almeja-se punir o cliente do cafetão, agenciador dos menores de 18 anos, que tenha conhecimento da exploração sexual”.([ix])       

              Nada obstante a compreensão doutrinária e jurisprudencial exposta, identifica-se no Superior Tribunal de Justiça entendimento de que é prescindível a participação de terceiro agenciando o menor de 14 e maior de 18 anos para que o cliente responda pelo injusto penal, bastando, assim, para a configuração do delito, que o cliente convença a vítima, mediante pagamento, a com ele praticar conjunção carnal ou outro ato libidinoso.([x])

              De toda sorte, a despeito da gravidade da conduta ora examinada, sobretudo em se tratando de crimes cometidos contra a dignidade sexual, deve-se respeitar os limites interpretativos do crime de favorecimento à prostituição, visto que não há como se ampliar a incidência do dispositivo sem se ofender o princípio da legalidade (artigo 5º, II, da Constituição Federal de 1988).

Conclui-se que, para incorrer no tipo penal em análise, é necessário o conhecimento do agente sobre a idade da vítima e da sua condição de prostituição ou outra forma de exploração sexual ante a conduta criminosa de outrem, de forma que a realização do ato sexual pela vontade própria do menor de idade não caracteriza o favorecimento previsto na norma examinada.

Beatriz Daguer

Acadêmica do 10º período de Direito da PUCPR, Campus Londrina.

bedaguer@hotmail.com

Luiz Antonio Borri

Especialista em Ciências Criminais pela PUCPR.

Advogado.

luiz@advocaciabittar.adv.br

Rafael Junior Soares

Mestrando em Direito Penal pela PUCSP.

Professor de Direito Penal da PUCPR, Campus Londrina.

Advogado.

rafael@advocaciabittar.adv.br