Prerrogativas dos advogados são prerrogativas dos cidadãos, defende OAB Londrina
Somente neste ano, a subseção Londrina da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) sediou três sessões de desagravo a favor de advogados que acreditaram ter tido suas prerrogativas básicas desrespeitadas durante o exercício de defesa de direitos de seus clientes. Uma destas sessões envolveu quatro advogados de Londrina que se sentiram desacatados por um magistrado da Comarca do município em um processo que começou em 2013. As defesas foram acusadas de agirem com “má-fé processual e atecnia jurídica” na própria sentença do caso que estava sendo julgado.
Outro caso ocorreu após a prisão de um advogado criminalista em uma operação policial que visava desbaratar uma quadrilha acusada de organização criminosa e associação para o tráfico. O advogado foi acusado de ter cometido crimes com base em transações bancárias entre ele e o cliente. A OAB também realizou sessão de desagravo público a favor de um advogado que se sentiu constrangido com declarações a respeito de sua atuação feitas por uma promotora de Justiça em uma rádio de Londrina.
Com mais de 7.300 advogadas e advogados, a subseção da OAB-PR de Londrina se tornou neste ano a primeira subseção do País a ter uma diretoria de prerrogativas própria e conta com um canal de comunicação para denúncias do que é considerado “pecado” entre os operadores do direito. A medida passou a ser implementada em todo o Brasil, com a aprovação da criação do Registro Nacional de Violação de Prerrogativas no Conselho Federal da OAB, em maio do ano passado. Esse órgão funciona como um banco nacional de “violadores” das prerrogativas.
“Ele fica publicamente com aquilo registrado e o dia que essa autoridade se aposentar e quiser advogar, ela vem à Ordem para pedir a sua inscrição e automaticamente vai ter que provar que tem idoneidade moral para fazer parte desta classe”, explica Vânia Queiroz, presidente da subseção Londrina da OAB.
Queiroz também avalia que o número de denúncias que chegaram ao conhecimento da subseção Londrina aumentou nos últimos anos, o que demonstra maior “consciência”. “Nós temos aqui um volume enorme de advogados e não temos como saber o que acontece com todos”, lembra.
Segundo o diretor de prerrogativas da subseção Londrina, Geovanei Leal Bandeira, uma denúncia de abuso de autoridade pode ser feita por qualquer pessoa, mesmo contra a vontade do advogado desagravado. “Isso porque, em última escala, quem é o prejudicado por aquele abuso cometido é o cliente do advogado, o cidadão”, explica.
“Quando o delegado ou o juiz não nos deixam ter acesso à decisão que decretou a prisão preventiva, por exemplo, o prejudicado não é o advogado, é a pessoa que está presa sem saber por que”, exemplifica.
Para ele, além do caso do criminalista preso por suposto envolvimento com tráfico de drogas, outra “confusão” muito comum cometida por autoridades com relação às defesas é o pedido para que o advogado se retire da sessão onde estão sendo colhidos os depoimentos, para evitar o constrangimento das vítimas.
“Quem está ali é a defesa. A defesa não pode constranger ninguém, a figura do réu sim, tanto que a vítima tem o direito de depor sem a presença do réu. Agora, mandar o advogado sair nesse momento é exatamente fazer a confusão entre o réu e o seu defensor”, pondera.
Com a proximidade da vigência da lei 13.869/19, a nova Lei de Abuso de Autoridade, em janeiro de 2020, a expectativa da Diretoria da Prerrogativas é que se valorize ainda mais a plena defesa, limitando ações “arbitrárias” de agentes estatais. Desta forma não está descartado um certo crescimento da atuação de advogados tanto na defesa dos desagravados quanto das autoridades. Tudo vai depender, também, da tramitação do projeto de lei do deputado federal pelo Paraná, Diego Garcia (Pode), que pede a revogação da lei sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (Aliança) em setembro.
A inovação legal se deu através dos projetos de lei 280, do senador Renan Calheiros (MDB) em 2016, e 85, do senador Randolfe Rodrigues (Rede) de 2017, e teve relatoria do paranaense Roberto Requião (MDB). Anteriormente, o tema era normatizado pela lei 4.898, de dezembro de 1965.
A Nova Lei considera abuso, por exemplo, submeter preso ao uso de algemas quando estiver claro que não há resistências à prisão e até a decretação, em processo judicial, da indisponibilidade de ativos financeiros em quantia muito maior do que o valor estimado para a quitação da dívida. Além disso, veta a decretação da condução coercitiva de testemunha ou investigado manifestamente descabida ou sem prévia intimação, assim como veda o responsável pelas investigações de atribuir culpa, seja pessoalmente ou via redes sociais, antes de concluídas as apurações. Ao descumprimento da maioria destas regras ficou estabelecida pena de seis meses a dois anos de detenção podendo ou não serem convertidas.
Questionado se existe uma preocupação da OAB de que os efeitos práticos da nova lei acabem sendo aplicados apenas sobre autoridades que estão na iminência de agirem com menos tempo para decidir ou em momentos de ação, como policiais, Bandeira afirmou que não. “Prevalece para todos. Até porque as ressalvas legais chamadas de ‘lacunosas’, a meu ver, são uma proteção a mais para o investigado. Por exemplo, ‘decretar medida de privação de liberdade em manifesta desconformidade’, isso ela só diz que a ação tem que ser, de fato, contundente, não qualquer ação. Então tem inúmeros artigos acusados de subjetividade, mas eu acho que terminam por dar mais elasticidade e discricionariedade para quem vai julgar”, avalia.
Assim como inciso do artigo 19, que considera abuso “impedir ou retardar injustificadamente o envio de pleito de preso à autoridade judiciária competente para apreciação da autoridade”, o que para o diretor já excluiria a subjetividade.
Vitor Struck
Folha de Londrina