Criminalistas veem desvio de competência com entrada de Moro no caso Marielle

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Advogados e juristas questionam a atitude do ministro da Justiça, Sergio Moro, de pedir ao Ministério Público Federal que investigue possível denunciação caluniosa contra o presidente da República, Jair Bolsonaro. Os operadores do Direito veem usurpação de competência e erros processuais no procedimento. 

O “Jornal Nacional” da TV Globo noticiou nesta terça-feira (29/10) que Élcio de Queiroz, um dos suspeitos da morte de Marielle, entrou no condomínio onde morava Ronie Lessa com a autorização vinda da casa de Bolsonaro.

Isso teria acontecido no dia 14 de março de 2018, horas antes do atentado. Acusado de fazer os disparos, Lessa morava no mesmo condomínio que o atual presidente da República.

Neste dia, Jair Bolsonaro estava em Brasília e votou em sessões da Câmara, pois ainda era deputado federal. 

Moro então solicitou que o Ministério Público Federal se junte à Polícia Federal para investigar possíveis crime de obstrução à Justiça, falso testemunho e denunciação caluniosa do presidente, o que atrairia competência da Justiça Federal e da PF. 

Lenio Streck: prerrogativa de foro é do autor do crime e não da vítima (Foto: Pixabay)

O jurista Lenio Streck ressalta que a prerrogativa de foto é do autor do crime e não da vítima. Além disso, lembra que denunciação caluniosa é competência da Justiça Estadual e que a entrada de Moro no processo lembra seu período de onipresença em Curitiba. 

“A prerrogativa de foro é do autor do suposto fato delituoso. Nunca para a vítima. Não tem nenhum sentido nesse pedido de Moro ao MPF. Além de tudo o pretenso crime de denunciação caluniosa é de competência estadual. Tudo errado, pois. Simples assim. Parece até que estamos de volta a pancompetência de Moro na “lava jato”. Qualquer coisa, arrastava para Curitiba. Processo penal não admite isso”, afirma Lenio.

O criminalista Fernando Hideo Lacerda critica o engajamento do ministro da Justiça em casos pessoais do presidente. “Não é atribuição do ministro da Justiça requisitar instauração de inquérito com base em notícia de jornal. Não se deve confundir a relevante função no Ministério da Justiça com a representação de interesses pessoais do presidente da República. Sergio Moro deveria voltar suas preocupações à defesa da ordem constitucional e proteção dos direitos fundamentais, ao invés de oficiar ao procurador-Geral da República, requisitando apuração de notícia de jornal sobre “crimes de assassinato”, expressão essa que sequer existe em direito penal e revela desconhecimento técnico sobre a matéria”, diz Hideo.

O criminalista Davi Tangerino afirma que, pelos relatos da imprensa, não há nada que configure crime de falso testemunho. E, mesmo que haja, a competência é estadual. 

“Denunciação caluniosa é fazer nascer um procedimento jurídico a partir de notícia de fato de que se sabe falso. Pelo que li, o porteiro, ouvido como testemunha, narrou os fatos conforme sua lembrança. Ele nem deu causa, dolosamente, a uma investigação, tampouco temos elementos para dizer que o fez falsamente. Esse delito não se aplica aos fatos. Outra questão relevante é: exatamente o quê pretende o Ministério da Justiça que se investigue? Se for eventual delito do porteiro, teríamos no máximo um falso testemunho, de competência estadual”, disse Tangerino.

O professor de direito penal e criminalista Fernando Castelo Branco vê na ação uma tentativa de intimidação. “A autoridade policial já competente e que já está investigando este caso, pode muito bem investigar a obstrução de Justiça, o falso testemunho e a denunciação caluniosa. Essa medida me parece ser uma burla e um desvio de finalidade por ter um caráter de intimidar as pessoas que eventualmente serão ouvidas. Como se mandando um aviso para essas pessoas não envolverem o presidente”. 

O criminalista Wellington Arruda também vê a medida de Moro com uma tentativa de pressão. “Temos a impressão que no presente caso a atitude do Ministro Moro teve muito mais viés autoritário do que técnico jurídico, isso porque o processo está sob responsabilidade da Polícia Civil do Rio de Janeiro, que tem tomado uma série de cautelas para garantir a lisura da investigação. Pressionar o órgão de investigação e, em especial, o porteiro, desta forma, nos parece desmedido e desnecessário, já que a investigação não apresentou nenhuma conclusão e, inclusive, a própria investigação poderá, em tese, entender que houve equívoco por parte do porteiro ou mesmo falso testemunho e nestes casos, por exemplo, o nome do presidente seria desconsiderado e consecutivamente não haveria, sequer, necessidade de manifestação do próprio STF”. 

Por Fernando Martines

Fonte: Portal Conjur